A audiência da TV aberta morreu?
- Frederico Bellini
- 11 de jul. de 2024
- 4 min de leitura

“O que o Diogo Defante está fazendo nesse programa, tio?” Com essa pergunta, minha sobrinha de 15 anos questionou a presença de um dos seus humoristas favoritos no Domingão do Huck. Na véspera de Natal, ela se sentou em frente à Televisão da sala, com todo o aparato necessário para tomar seu banho, e ficou por ali. Foram cerca de 15 minutos da adolescente que buscava assistir a performance do seu ídolo na TV aberta. Quando percebeu que o que ela esperava não aconteceria, seguiu sua rotina. Mas sem abandonar a audiência. Saiu do banheiro, enrolada em sua toalha, perguntando o que havia acontecido. Definitivamente, nada próximo do que ela acreditou. Será que ele conseguiria se apresentar genuinamente no canal?
A audiência da TV aberta sofre cada vez mais com a volatilidade. Não se trata mais de qualidade nas obras, autores ou talentos envolvidos. A concorrência com o streaming chegou forte demais. O público aprendeu a escolher o que e quando deseja assistir. Nesse contexto, se uma produção não consegue prender na primeira semana, tende a cair no limbo. É melhor mudar para um canal fechado, onde é possível acompanhar tudo no seu ritmo, do que se fidelizar à exibição controlada de horários. Quais seriam as melhores estratégias para conquistar a audiência desejada? Como a TV aberta pode se reinventar? São perguntas de um milhão de dólares.
Existe uma demanda clara de conteúdo em tempo real. Nesse sentido, os esportes saem na frente. Ninguém quer assistir ao jogo de futebol do seu clube, a competição olímpica ou a corrida de Fórmula 1 depois que o resultado final foi noticiado nas redes. Isso fez a TV aberta retornar aos seus primórdios, onde tudo era exibido ao vivo. O valor máximo é: Quem divulgou a informação primeiro? Mas no que diz respeito à dramaturgia, séries e novelas são lançadas diariamente por todas as plataformas disponíveis. Quem pode sair na frente de tudo?
A TV Globo ainda é a maior produtora de conteúdo do país. E tem em seu cardápio o Globoplay, plataforma de streaming que cresceu exponencialmente nos últimos anos. No entanto, parece que ainda não encontrou a matemática perfeita para o lançamento de seus novos folhetins. Há uma clara aposta em remakes, autores novos e histórias mais ágeis. Mas falta, na minha humilde opinião, uma estratégia mais ousada para prender o público. Afinal de contas, pensem comigo, você pode perfeitamente dedicar um momento da sua vida para assistir uma novela na TV aberta se ela te conquistar e deixar todo o restante do tempo livre para escolher o que assistir no streaming. Mas como combinar as duas opções e criar um público cativo? Esse é o desafio da TV.
Particularmente, uso a TV aberta como aquele barulhinho que falta quando estou em casa. Morando sozinho, é bom escutar algo que pode até despertar meu interesse genuíno. Mas para sentar no sofá e me prender, a produção precisa ser muito sedutora. Agilidade é fundamental. Qualidade, nem se fala. Não posso questionar nenhum desses dois pontos nas obras que a Globo lançou nos últimos tempos. Mas o motivo pelo qual algumas pessoas optaram por assistir, por exemplo, “Vai na Fé” em tempo real contra a concorrência, pode revelar apenas um vácuo de interesse que merece ser estudado.
Enquanto uma novela está na reta final, cheia de ganchos interessantes e instigadores, várias novas séries são lançadas nas plataformas de vídeo. O público está atento e buscando novidades. A Globo tem uma plataforma importante, que lança novidades o tempo todo. Mas... acontece que a divulgação dos novos conteúdos ainda é feita de forma conservadora. Algumas vezes apenas um teaser, mal elaborado, outras um primeiro capítulo pouco envolvente. Há ainda os casos de obras lançadas inteiramente no Globoplay e reexibidas na TV aberta posteriormente.
Mas e se a Globo decidisse iniciar a exibição de uma história no Globoplay, antes que sua antecessora chegasse ao fim? Uma semana inteira de novela nova justamente no lugar onde a concorrência está. Criar um teaser real. Imagine a primeira fase de uma história lançada no Globoplay em formato de mini série, revelando ao longo de cinco capítulos as origens dos personagens que irão brilhar durante a trama na TV aberta? Isso pode ser feito sem prejudicar o desenrolar da história. O público quer ser conquistado. Para isso é necessário ter inteligência 360º. Não estou falando de um lançamento antecipado que será reexibido, mas de uma história que antecede àquela que a TV aberta irá apresentar.
Todo autor cria uma biografia para seus personagens. É uma forma de garantir consistência para a obra que será apresentada e desenvolvida. Mas essa biografia é utilizada, normalmente, em flashbacks e falas gratuitas ao longo da obra. Ao lançar uma mini série real, com a vida pregressa dos protagonistas em poucos capítulos, a emissora poderia fazer o caminho oposto.
E não é possível ignorar o poder das redes sociais nesse processo. Personagens da mini trama devem ganhar perfis engajadores. Conquistar o público jovem que consome isso até revelar o objetivo final. Quando A nova novela surgir, agora sim, em chamadas e notícias nas redes, já terá um público cativo, pronto para sentar em frente à TV na hora em que a emissora decidir, para continuar seguindo suas tramas.
Ainda acredito muito no talento dos realizadores da TV aberta, mas acho que apostar em chamadas na programação na véspera do lançamento não seja a melhor forma de divulgar um novo conteúdo. E olha que eu fiz isso por 10 anos. É preciso ousar em todas as possibilidades, sem ter medo de errar. O que seria de Vivi Guedes se a Globo não criasse um perfil da influencer digital antes mesmo da personagem surgir na novela? A dona do pedaço foi um sucesso de vendas, justamente pela ousadia. As ferramentas estão aí, basta saber como utilizá-las da melhor maneira. Com ousadia, planejamento e criatividade.
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