Qualquer um pode escrever um roteiro.
- Frederico Bellini
- 11 de jul. de 2024
- 5 min de leitura
Em um grupo voltado para roteiristas e aspirantes dentro de uma famosa rede social, alguém perguntou o que era necessário para se tornar um profissional da área. A resposta simples é: qualquer um pode escrever, desde que estude a técnica e domine o idioma escolhido para fazê-lo. A prova disso é a inteligência artificial, que entrega roteiros inteiros sobre qualquer tema em poucos minutos. Mas o que precisamos nos perguntar é: qualquer um pode escrever um bom roteiro?
Um bom roteiro tem uma estrutura que pode ser desenvolvida por qualquer pessoa determinada a aprender. Não é um bicho de sete cabeças. Costumo dizer que é como uma redação, que precisa de coesão, princípio, meio e fim. Tudo muito bem pensado para chegar ao resultado final. Mas, diferente da redação, o roteiro precisa apresentar outros aspectos sedutores. Alguns deles são elementos técnicos, outros sentimentais. Sim, é preciso sensibilidade para que o seu texto encontre empatia com o público final. Como em qualquer profissão, ser escritor ou roteirista exige paixão pelo ofício.
Entregar um roteiro correto já é algo desafiador. Compreender as métricas e saber utilizar os subterfúgios técnicos necessários não é algo muito simples. Criar dramas e plantar informações importantes, são questões fundamentais para o autor. Mas a alma do roteiro vai além de todas as questões técnicas. Criar personagens com várias camadas, dilemas críveis, ganchos inusitados e mistérios desafiadores, são apenas alguns dos elementos para os quais precisamos ter atenção redobrada. Em obras fechadas, filmes, séries ou até pequenos vídeos para as redes sociais, o roteirista tem algum tempo para analisar tudo. Mas em obras abertas, como as novelas que o público brasileiro ama, é como enxugar gelo. O tempo é o maior inimigo da perfeição. Por isso mesmo, o argumento de uma obra aberta é peça chave para o sucesso da mesma.
Enfim, um roteiro diferenciado é como um corpo único, onde cada peça funciona para que a história siga adiante. Cenas avulsas, itens plantados sem motivo ou personagens que não contribuem para o desenrolar da trama, dramas que não possuem propósito e acabam sem nenhuma resolução podem ser um tiro no pé do autor. Costumo dizer que as melhores produções nos pegam de tal forma que não temos tempo nem vontade de questionar absolutamente nada. Apenas apreciamos do início ao fim, completamente presos. E quando chega ao fim, sentimos saudades de tudo o que vimos. Para chegar a esse resultado é preciso muito trabalho, criatividade e uma equipe incrível.
Dito isso, quero comentar aqui algumas estratégias utilizadas de forma duvidosa em grandes clássicos da dramaturgia. Muitas vezes, uma decisão ousada pode gerar críticas terríveis. Nem sempre elas comprometem o bom andamento do roteiro, mas precisamos estar atentos à percepção do público. Nossa audiência busca muito mais do que uma história correta. O público quer ser seduzido o tempo todo. A cada cena, a cada capítulo. Um bom roteirista busca muito mais do que prender o público por sua história sagaz.
Para ir além de ser correto, o roteirista precisa escrever com a consciência de quem entende profundamente sua audiência. O público não é bobo. Vai questionar sempre suas soluções para os desafios dos personagens. Quando Avenida Brasil estourou na audiência, a maior questão levantada na reta final foram as informações que Nina, personagem de Debora Falabella, tinha sobre a vilã Carminha, vivida por Adriana Esteves. O pen drive foi motivo de críticas ferrenhas, que não alteraram a audiência da novela. Mesmo assim, as críticas foram tão fortes que levaram o autor a se retratar em um vídeo.
Há também questões pontuais. No clássico “Atração Fatal”, de 1987, o personagem de Michael Douglas tem uma cena de luta com Gleen Close. A vilã usa uma faca para atentar contra a vida do amante, mas é desarmada. Ao pegar a arma e dominar a situação, seguimos a mão de Dan colocando a faca sobre o balcão da cozinha. Em seguida ele deixa a casa. Em um primeiro momento, o público pode pensar que uma vilã tão astuta pode perfeitamente aproveitar as impressões digitais deixada por ele, se ferir criando mais um agravante para a situação do ex parceiro. Mas isso não acontece. O detalhe da cena certamente foi definido pelo diretor para criar tensão. Não compromete o resultado final, mas decepciona a audiência.
Mas existem informações estruturais que podem gerar inconsistências mais graves. Em “Mulheres de Areia”. A novela com recorde de reprises na TV aberta apresenta um fato, no mínimo, curioso. Durante grande parte do folhetim, as praias da cidade fictícia de Pontal da Areia estão interditadas e impróprias para banho, com grave risco de intoxicação para os banhistas. No entanto, a colônia de pescadores segue sua atividade a pleno vapor. Que mar é esse onde não se pode mergulhar, mas é permitido pescar e consumir o que vem dele?
Esses detalhes podem ser, muitas vezes, ignorados pela audiência. Mas o público não só aprendeu a identificar como também encontrou na internet uma forma de divulgar e viralizar, sem medo, o que descobriu. São milhares de investigadores atentos, aguardando um pequeno deslize que gere likes. Por isso, o bom roteirista precisa dominar sua criação, se cercar de bons colaboradores e ter ouvidos humildes para alterar o que puder comprometer sua história.
Isso tudo sem falar no desenvolvimento dos personagens. Não há mais como criar pessoas completamente boas ou ruins. Indivíduos são feitos de muitas camadas e mesmo o pior vilão tem algum motivo para fazer o mal. Assim como a melhor mocinha está longe de ser uma completa idiota que jamais percebe o que estão fazendo com ela. Isso não gera empatia por não ser real. Precisamos levantar debates entre quem assiste. Ainda que muitos critiquem e odeiem as atitudes do vilão, outros precisam se identificar com eles a ponto de levantar dúvidas quanto à sua conduta. Houve um tempo em que a máxima entre os roteiristas era que uma mocinha ou mocinho jamais poderiam matar alguém. O público jamais perdoaria isso. Em “Amor de Mãe”, Lurdes (Regina Casé) mata o marido no primeiro capítulo, em legítima defesa. A ação foi prontamente aceita em um país onde a consciência sobre relacionamentos abusivos e feminicídio estão em destaque.
O bom escritor é, antes de mais nada, um excelente leitor e um observador ávido por tudo o que acontece ao redor. Sua fonte de inspiração pode estar nos mínimos detalhes e situações. Na compra que faz no supermercado, na conversa que trava com o motorista de aplicativo, nos diálogos com os colegas de trabalho, o porteiro e a síndica do prédio. Os personagens mais críveis surgem de pessoas reais. O resto é com a imaginação do autor. Se quer conquistar seu público e ganhar audiência, olhe ao redor. Analise tudo o que acontece e exercite sua criatividade.
Escrever é uma arte que depende de inspiração, sensibilidade e dedicação. Além disso, não podemos ignorar a inteligência de quem nos assiste. Um mínimo deslize pode comprometer toda a sua história. O bom roteirista precisa estar pronto para receber críticas e resolver as questões de forma inteligente. Se você quer contar uma boa história, esteja atento às vontades de quem vai te assistir. Isso vale para qualquer formato de mídia. Seja um longa-metragem, uma chamada, comercial publicitário ou até um livro.

Comments